Hoje faz seis anos que o Boko Haram sequestrou 275 meninas da escola secundária para meninas de Chibok, um vilarejo no estado de Borno, Nordeste da Nigéria, em 2014. A Portas Abertas tem acompanhado o caso, dando suporte às meninas que escaparam ou foram libertadas e também aos pais das que ainda estão em cativeiro.
No entanto, sabemos que o caso das meninas de Chibok é somente a ponta do iceberg, visto que o grupo extremista, assim como pastores de cabra fulani, continuam realizando sequestros e mantendo centenas de meninas e mulheres em cativeiro. Elas enfrentam terríveis circunstâncias. Foi o que aconteceu com Ruth*, agora com 20 anos, sequestrada pelo Boko Haram aos 14 anos quando o grupo extremista islâmico atacou o vilarejo dela, no estado de Adamawa, em 2014.
Ela relembra: “Era uma sexta-feira à noite quando ouvimos o barulho de tiros. Foi muito rápido e, antes que nos déssemos conta, o Boko Haram estava vindo em nossa direção com suas motocicletas. Enquanto chorava, eu corri o mais rápido que pude. Eu lembro da minha mãe gritando: ‘Ruth, fuja para salvar sua vida’”. Quando não conseguiu mais correr, os militantes a pegaram. Ela gritou pedindo que eles a soltassem, mas eles lhe deram um tapa e mandaram que ficasse quieta. Ela foi levada à floresta de Sambisa, onde fica o quartel-general do Boko Haram. “Naquela noite eu chorei até cair no sono”, recorda Ruth.
Atrocidades que desafiam a fé
Como muitas outras antes e depois dela, Ruth enfrentou atrocidades e descreve: “O primeiro ano foi um inferno. Cada dia que retornavam dos ataques, os soldados do Boko Haram batiam em nós e nos estupravam. Meu corpo inteiro estava coberto de feridas e eu fiquei muito magra porque eles não nos davam comida suficiente. Eles nos disseram para negar a Cristo e nos tornarmos muçulmanas se quiséssemos ser mais livres no acampamento. Recusei-me a negar a Cristo e continuei chorando e orando para Deus me resgatar”.
No entanto, como em toda situação de tormento, a dúvida se estabeleceu, conforme a pressão para se converter ao islã aumentava a cada dia. Até que depois de um ano, sentindo como se Deus estivesse em silêncio, Ruth decidiu aceitar o islamismo na esperança de que as coisas melhorassem. “Parecia que Deus não me amava mais e que por isso tinha me deixado lá para sofrer”, confessa a jovem.
De fato, a situação de Ruth “melhorou”. Imediatamente ela se casou com um dos militantes e tinha um quarto só para ela, ao contrário das outras que eram mantidas em uma grande sala lotada de meninas. Ela reconhece: “Minha decisão tirou parte do meu sofrimento físico, mas ainda estava péssima. Quando éramos levadas para fazer a salat (oração islâmica), eu recitava o Salmo 23 em meu coração. Eu ainda queria acreditar que Jesus era meu bom pastor”.
Além da dor física e emocional, a rejeição
Ruth engravidou e teve um menino, Samaila, a quem teve dificuldades para amar, pois odiava o pai da criança e sua nova religião. Dias, meses e anos se passaram e ninguém veio para resgatá-la. Até que um dia, em 2017, os homens saíram, possivelmente para um ataque, e deixaram o acampamento sem guardas. “Deus me mostrou um caminho e me deu coragem para fugir. Coloquei Samaila nas costas e corri sem olhar para trás”. Ela correu o quanto pôde, com um bebê nas costas e outro na barriga – estava grávida de dois meses. Até que, no final da noite, chegou a um posto militar. Depois de interrogá-la, os soldados lhe deram um lugar para dormir e, finalmente, ajudaram Ruth a se reunir com a família.
Quando chegou em casa, a mãe dela ficou maravilhada e cantava: “Deus está vivo, ontem, hoje e para sempre”. Mas o pai não teve a mesma reação quando soube que Samaila era filho de um combatente do Boko Haram. Por causa do bebê, a família e a comunidade os veriam como traidores. “Meu pai começou a me tratar como uma infiel por causa do meu filho e do bebê que carregava no ventre. Ele dizia ‘não quero ver você nem esse menino perto de mim’ e essas palavras partiram meu coração”, recorda Ruth.
As pessoas da comunidade também rejeitaram Ruth e Samaila e o chamavam de “soldado do Boko”. Sentindo-se amargurada, toda vez que o filho lhe chamava de mamãe, ela batia nele e o mandava sair de perto dela. Ruth admite que também chegou a pensar em formas de abortar o bebê que esperava.
Perdão e cura
Em 2017, Ruth participou do aconselhamento pós-trauma oferecido pela Portas Abertas, juntamente com outras 19 sobreviventes. Os primeiros dias foram difíceis, mas no sexto dia, tudo mudou e seu coração foi curado através das ministrações. Um ano depois dessa primeira sessão, Ruth compartilhou que foi provada por Deus: “Deus me testou e eu falhei. Mas quando voltei, ele me aceitou de braços abertos”. Por isso deu ao segundo bebê o nome de Ijagla, que significa “Deus é aquele que nos prova”.
Ela conta como sua dor foi curada ao aprender a perdoar as pessoas que zombaram dela e a insultaram, inclusive seu pai. O impacto do aconselhamento pós-trauma não ficou só em Ruth. Quando ela voltou do seminário, o pai dela começou a ler o material que ela havia recebido lá. Ele também foi curado ao se dar conta de que não foi por vontade própria que Ruth se casou com um combatente do Boko Haram e teve dois filhos dele. “Hoje meu pai pega Samaila no colo e sai com ele. Isso é algo que eu nunca imaginei que fosse possível”.
Samaila está agora com 4 anos e Ijagla com 2. Ruth agradece a todos os parceiros que contribuem para que o processo de cura seja disponível para mulheres na Nigéria: “Muito obrigada pela oportunidade de participar do seminário. Isso trouxe a paz de volta à minha casa”.
Fonte: Portas Abertas